As ilusões do senhor de si
Em Gênesis observamos o ser humano em construção. Nessa narrativa, após vários eventos cruciais, Adão e Eva experimentaram ser o que não eram, ou seja, senhores de si. Assim, eles jogaram os dados de Deus com a esperança de ser no lugar de estar. Não perceberam que a obra existencial estava apenas no começo. Além do mais, pela ingenuidade gananciosa, desprezaram as condições e fenômenos ao redor de seu ambiente paradisíaco. Logo, escolheram o caminho da independência, sem compreender o que realmente significava tal atitude. Portanto, Adão e Eva estavam certos ou errados? Não é uma questão moral de orgulho, trata-se de contextualizar uma narrativa bíblica ao âmbito da busca pela perfeição projetada em uma ilusão de ser completo dentro de um propósito maior. Isto não representa a realidade do aqui e agora. É uma faceta enganadora do eu fantasioso que personifica o ser humano a abster-se de si, deslocando o estar no limbo do nada sobre o vazio. Por isso, não há certo ou errado, somente um ser pensante que usa percepções subjetivas para ver o que tem nos bastidores da existência.
A interpretação de uma parte dessa história bíblica é uma forma, dentre várias visões diversas, de questionar se é possível ser senhor de si, já que o estar é mais provável de suprir essa necessidade do que o ser pronto e imutável. Portanto, o domínio de existência de si pode ser encarado como ilusão (resta saber se é temporário ou é uma sombra para uma vida inteira).
Na mitologia grega, o titã Prometeu rouba o fogo sagrado dos deuses e entrega aos homens. De posse do brilho ardente dos deuses, a humanidade prospera e vence a escuridão. Assim, os seres humanos destacam-se dos outros animais. Essa sabedoria e independência perturba Zeus. Vendo a insubordinação de Prometeu e dos homens, o Deus supremo do Olimpo acorrenta Prometeu no rochedo na região do Cáucaso para que uma ave gigante venha todos os dias visitá-lo para comer o seu fígado, proporcionando uma dor imensurável. Quanto aos seres humanos, Zeus envia a caixa de Pandora. Ao ser aberta, o caos toma conta da humanidade. Assim, somos assombrados por guerras, discórdias, assassinatos, fome, entre outros males que afligem os homens. Mesmo diante de tanto terror, nem tudo estava perdido, pois Pandora libertou a esperança do fundo de sua caixa como um antídoto a todo veneno destilado na humanidade. Sei que na descrição faltaram detalhes dessa mitologia no texto aqui digitado, mas podemos ter uma ideia das convergências entre Gênesis e a mitologia grega. Uma delas é a injustiça de culpar Eva e Pandora pelo rumo sombrio das escolhas humanas, pois projetando as consequências de nossos atos em fantasias. É mais uma ilusão do senhor de si. As decisões que nós tomamos ao longo da evolução, sejam de sucesso ou fracasso, pertencem exclusivamente a quem teve a capacidade de escolha. Infelizmente, em uma sociedade machista, criaram mitos com o intuito de achar um culpado na história, e a figura escolhida foi a feminina. É um absurdo! Um outro dado convergente, é a fúria dos deuses quando os seres humanos escolhem outro caminho diferente do propósito divino. É uma forma de delegar as consequências dos próprios atos a deuses. Qual é o motivo para tal projeção metafísica? O ser humano tem medo de ser apenas humano? É uma repressão freudiana? É a ilusão da moral? Enfim, temos dificuldades de interpretar a realidade de fato. Em vez de assumir a responsabilidade que acontece nas interações materiais humanas, preferimos depositar as ações viáveis de mudança em esperanças falsas de uma metafísica verbalizada na forma de Homo deus.
Partindo para uma nova linha de raciocínio, sem perder o caminho da ponte com os parágrafos acima, surgem outras questões, tais como: É necessário convergir a complexidade em um fim ausente de imperfeição? Se eu não alcançar a perfeição, estarei fadado ao fracasso existencial? Por que não admirar o imperfeito de assimetrias sem igual? E se a perfeição for uma ilusão? Importa ser senhor de si?
Quando se atinge o auge, nos conformamos com a forma e o volume definidos. Portanto, achamos que atingimos a espiritualidade dos sentidos. Entretanto, o estar é imperfeito, precisa de novas configurações de percepções de amadurecimento. Isso não quer dizer que os valores e as virtudes estão diluídas no mundo líquido. Logo, há um sentido existencial que cada ser humano construirá, desconstruíra e reconstruirá ao longo da jornada. No processo, surgem inseguranças quanto a relatividade do ser. Isso é natural! É um sinal de nossa projeção além do estar, visando a simetria que gera conflito inconsciente entre a fantasia e a realidade.
O senhor de si é vaidoso, vive no autoconvencimento de ser pronto em todos os aspectos da vida. Finge não temer as adversidade mais vorazes. Tem sempre algo a ensinar, mas nunca está disposto a aprender. Existe acima do bem e do mal. Apresenta-se como íntimo da essência. Nega a imperfeição do estar, ou seja, não reconhece o amadurecimento que vem da aprendizagem pautada nos questionamentos sobre a ditadura das afirmações inquestionáveis. Por isso, proponho a troca do senhor de si pelo estar consciente de si fora do âmbito do ser, pois só é quem está completo e imutável a novas reestruturações existenciais. Assim, ser o que é está no campo da espiritualidade divina. Portanto, que os homens usufruam da consciência de si no estar como referência para um projeto inacabado de diversas hipóteses possíveis para variáveis assimétricas de diversidades desconhecidos na realidade inexplorada. Nesse sentido, não somos divindades, estamos humanos para aprender a lidar com a existência e seus desafios. É simplesmente a filosofia do aqui e agora, conforme defendia Nietzsche. Assim, na degustação das angústias encaramos desertos e florestas, buscando compreender o macro e o microcosmos. Partindo desta premissa, a metafísica serve como projeção de ser o que não é, configurando-se como uma das facetas ilusórias do senhor de si. Além disso, ainda há possibilidade de não existirem o Ser, o eu e o ego (ausências confirmadas nas filosofias de Nietzsche e Sidarta Gautama), desafiando o sentido de algo metafísico na realidade material e vice-versa. Logo, o niilismo pode ser terreno e celestial. É uma verdade relativa de angústia existencial subjetiva. Alternativa que não podemos descartar na diversidade de percepções de mundo.
Interpretar a realidade, tendo sentido ou não, é uma conclusão parcial que será moldada em várias ocasiões experimentais, estimulando o átomo da alma pensante a seguir em frente como senhor de si ou como consciente de si na ausência do ser. Assim, o protagonismo da história personalizada será construída na sombra daquilo que não é ou no estar assimétrico de dinâmica evolutiva. Portanto, as peças estão no tabuleiro existencial. Qual é o objetivo do jogo: eliminar o rei ou o peão? Você decide!



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