Sou feliz por ter angústias existenciais

É comum desconstruir conceitos como forma de adequação a época vivida. O perigo de modificar termos é a mudança da interpretação do contexto. Não é apenas a palavra com conceito diferente que muda a expressão. Podemos visualizar duas interpretações de comunicação com a adição ou subtração da vírgula. Veja o exemplo: você quer café fresco? Ou você quer café, fresco? Sentiu a diferença? Enquanto a primeira expressão tem como objetivo enfatizar o café feito na hora, ou a pouco tempo, a segunda forma de comunicação traz em si uma interpretação pejorativa, rotulando aquele ao qual é oferecido o café. Tudo isso por causa de uma vírgula.
Na era digital as desconstruções tomam o caminho da desinformação e alienação.
Observando palestras, vídeos e livros, me deparei com as desconstruções de símbolos comunicativos, ou seja, a troca de significados entre alegria e felicidade. A primeira tomou lugar conceitual da segunda e vice-versa. Não enxergo alegria como algo profundo e permanente, como também não enxergo felicidade como algo momentâneo e superficial. Ambos tem sem valor, mas alegria nem sempre é um complemento da felicidade. É possível ser feliz e estar angustiado, porque felicidade é o ser que se faz presente em situações de êxtase e de profunda reflexão (que em muitas ocasiões não leva o indivíduo a sorrir com a alegria peculiar).
Felicidade e angústia existencial combinam, desde que haja a vibe do ser em direção a mudança que conduz a liberdade, mesmo que esta liberdade seja parcial, sabendo que a inquietude é fruto de uma felicidade que foge ao senso comum, porque neste sentido,  a felicidade é aquela que nasce no solo das aprendizagens e experiências vividas, saboreadas no requinte da realidade subjetiva. 
Nem sempre as angústias existenciais traz paz de consciência, pois o conformismo não revela as inovações. A felicidade entra como tubulação que leva as águas turbulentas ao reservatório de energia potencial pronto para desaguar no rio que flui energia cinética da mudança de paradigmas. Se bem trabalhados no campo da emoção, felicidade e angústias existenciais unem-se na construção de uma mentalidade de amadurecimento.
As desconstruções conceituais são aclopadas ao senso comum através do marketing (seja boca a boca ou midiático), tornando-se algo corriqueiro na expressão do cotidiano. Por isso, muitos verbalizam alegria no lugar da felicidade, achando que saciar a vontade ou sorrir diante de uma piada são reflexos de uma alma feliz, descartando a hipótese de viver uma montanha russa emocional, quando o momento de relaxamento dá lugar as turbulências existenciais. Nesse sentido, a consequência não pode ser confundido com a causa. Em outras palavras, a felicidade é o ser que age sobre o ter da alegria e do ter da angústia existencial, favorecendo saborear os opostos sem perder a essência dos mesmos.
Ser feliz não é ter alegria permanente, pois o ter é passageiro!
Em Kierkegaard, angústia é a relação do eu com o mundo. É a condição existencial gerada pela liberdade da escolha. Nem sempre é fácil optar por qual caminho seguir. Perdas e ganhos fazem parte do processo da escolha. A questão aqui não é escolher a roupa que vai usar em uma festa ou sobre qual produto comprar diante das variedades estampadas nas prateleiras do estabelecimento, dilemas superficiais que aparecem em nossa sociedade consumista, porém, a angústia existencial vai muito mais além das escolhas materiais. Veja o exemplo de Adão e Eva no paraíso. Ambos viviam sem escolha, sendo assim, sem liberdade, mesmo desfrutando do ambiente favorável e tendo a companhia do próprio Deus. A partir do momento que a árvore do conhecimento tornou-se o divisor de águas entre uma vida perfeita e uma vida de labuta e dor, Adão e Eva puderam expressar a responsabilidade de seus próprios atos, amadurecendo o fruto da autonomia como seres pensantes. Com a decisão tomada, Adão e Eva foram expulsos do paraíso. Muitos tentam achar culpados nessa história, alienando-se a projeções fantasiosas de inquisições sem sentido, porque o mais importante aconteceu, ou seja, a liberdade de escolha. Se esse processo não existisse, a vida pensante não teria sentido. 
Fico pensando se estivesse vivendo apenas no paraíso sem escolhas pontuais, sem as angústias existenciais, apenas explorando o ambiente e ouvindo o monólogo de Deus, como seria?  
Tenho bons olhos com a história de Adão e Eva, porque não existimos com predestinação de marionetes, sendo um depósito de vaidades divinas, pelo contrário, a responsabilidade da escolha nos faz questionar o Próprio Criador, mais ainda, dialogar sobre a nossa origem e evolução com Deus e o Universo. Por sua vez, o EU SOU O QUE SOU se faz presente com o ser humano pensante para trocar ideias sobre a existência e a vida. 
Enfim, felicidade e angústias existenciais convergem no amadurecimento do ser humano como raridade do propósito do inacabado, onde a liberdade de escolha e o medo do novo, são atrativos para a transmutação mental de ver o mundo, a existência e a vida.
Nem sempre dar para sorrir quando se está feliz e angustiado pelo amor ao conhecimento.



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