A (des)lógica do ser humano

Quando eu era adolescente ouvia o professor classificar os animais como irracionais e os seres humanos como racionais. Precisou de um bom tempo após a minha passagem no ensino fundamental para questionar esta (des)lógica. Parecia que havia um grande abismo entre o ser humano e os animais. Como uma verdade inquestionável, os termos irracionais e racionais pegou como uma cartilha de antropocentrismo místico, ou seja, o ser humano como Zeus do Olimpo evolutivo e os animais como seres vivos repetindo o ciclo vital no submundo imutável. Pois bem, este abismo foi desconstruído com estudos oriundos da Psicanálise, Genética e Biologia Molecular.
Freud, considerado o pai da Psicanálise, jogou um balde de água fria na teoria do homem racional com a descoberta do inconsciente, também conhecido como porão da mente, lá guardamos medo e desejos reprimidos. Os sonhos refletem o que está em nosso inconsciente! As imagens que surgem quando sonhamos representam uma mescla de desejos, medos e dados de transferência da memória de curto prazo para a memória de longo prazo. Por exemplo: Já sonhou com alguém especial  que te rejeitou ou morreu. Pode ser medo de ficar sozinho(a), ou pode ser medo de perder esta pessoa, enfim, o medo aparece como algo principal. Não estou aqui para interpretar sonhos, pois não tenho esta capacidade. Alguns vão pensar no fato de que teve um sonho de perder a mãe, o pai ou outra pessoa especial, e aquilo aconteceu de fato depois deste sonho. Não podemos esquecer que existe algo chamado coincidência, pois se compararmos a taxa de pessoas no mundo que sonhou que alguma pessoa morreu e logo em seguida aconteceu esta fatalidade, verificaremos que é uma taxa pequena de seres humanos na Terra com esta relação. Estou sendo muito lógico? Talvez, mas o intuito deste texto não é provar que o homem é classificado como racional, como se fosse algo dominante, a verdadeira intenção é mostrar que a nossa bola não está tão cheia assim. Vamos prosseguindo. Então, qual a finalidade de mencionar Freud? Resumindo, nossas ações não são totalmente racionais, pois temos a emoção  influenciando em nossas decisões, muita das vezes sentimentos primitivos como o medo e a vontade dirigem nossas decisões em prol de um bem estar pessoal. Ainda cultivamos desejos primitivos. Talvez sejamos mais emocionais do que racionais. Isso é ruim? Depende. O extremo sempre será um caminho que leva a destruição. Se você vive apenas pelo prazer, evitando transtornos, haverá grande possibilidade de vossa pessoa desenvolver distúrbios emocionais e sociais. Não se pode evitar as angústias, pois delas surgem o amadurecimento (que diga Nietzsche com o seu super homem). Não nascemos prontos, somos moldados com o tempo, sem a necessidade de terminar feito. Em contrapartida, também não podemos viver no extremo da racionalidade. Usar apenas a lógica para entender o que é o ser humano gera dominação, catástrofre em nome do progresso, arrogância e padronização de dados frios de desigualdades mergulhados em um grande pesadelo burocrático (até Franz Kafka ficaria assustado com o nosso mundo pós moderno). Nem lá, nem cá. A gangorra tem um ponto de apoio que controla o movimento de sobe e desce. Encontrar o equilíbrio das forças é o grande x da questão. Talvez Descartes mudaria sua frase: Penso, logo existo para Sinto, penso, logo existo. Tudo é uma questão de ponto de apoio de vista. Nada está fechado. Tudo isso com o intuito de provocar o leitor.
Ainda existem dados da genética. Vamos lá. Em 1990 iniciou-se o chamado Projeto Genoma Humano que visou mapear todos os genes do DNA humano. O mapeamento terminou com uma informação alarmante. O ser humano não está tão longe assim, evolutivamente, dos animais. Nós temos genes com códigos genéticos de vírus, bactérias, fungos, vegetais e animais, com uma pequena quantidades de genes genuínos humanos. Apenas uma pequena porcentagem de material genético separa o ser humano dos animais. Sendo assim, estou inserido em uma biodiversidade que apresenta um único ancestral comum que povoou os mares primitivos. Sou resultado de uma evolução ao acaso, imperfeito e assimétrico que por mutação genética de uma pequena porção de genes favoreceu a minha espécie se adaptar ao ambiente hostil. A inteligência foi o grande upgrade do nosso cérebro. Estou usando argumentos científicos, caso você não acredite na evolução de Darwin e no Neodarwinismo , respeitarei a sua opinião, pois sei que esta teoria é usada para construir um possível modelo de realidade (ver o livro a caixa preta de Darwin), não é uma verdade absoluta. Uma coisa eu peço, analise a evolução com cuidado, pois nem tudo podemos desprezar na construção da origem e evolução de espécies (haja visto a mutação que ocorre em vírus e bactérias resistentes a medicamentos). Enfim, os estudos genéticos e biomoleculares vem demonstrando que não estamos tão distantes assim dos animais. Carregamos genes primitivos. Apresentamos certos comportamentos que alguns animais expressam em seu dia a dia. Medo e vontade mesclam-se em nossas emoções  influenciando decisões importantes em nossa vida. São estes e outros comportamentos que me fazem refletir sobre o início do texto.
É (des)lógico distinguir os seres humanos como racionais e irracionais? Vou responder com um exemplo: Pela ganância homens destroem a natureza, enquanto os outros seres vivos lutam em preservá-la. Quem foi racional nesta história? Haverá a argumentação que os animais vivem pelo instinto e não pela razão. Então o que é racional? Autodestruição de uma espécie nova, como a humana, através de eminências de guerras biológica, nuclear, química e tecnológica é racional?  Veja que eu não estou afirmando que o ser humano é burro ou irracional, pelo contrário, tento provocar a reflexão, pois só reflete quem é inteligente, ou seja, todos os membros da espécie humana.
Diante do exposto, vejo o racional e irracional como uma ferramenta incompleta de distinguir a complexa relação que animais e seres humanos apresentam em seus respectivos mundos que convergem no Planeta Terra, sem mencionar na relação com o universo.
Ao longo da História o homem (termo usado no sentido de raça de ser)  foi deixando seu status de "deus  perfeito".
Olhando no espelho vejo um ser humano que não deixou sua herança evolutiva de lado. Sentimentos como medo e vontade mesclam-se com racionalidade. Além disso, genes competem em meu DNA para ver quem domina sobre o outro. Nesta perspectiva, não vejo um ser humano simétrico, perfeito e apenas racional, pelo contrário, vejo complexidade, assimetria, emoção/razão, sujeito as leis que regem os fenômenos naturais com uma pitada de inteligência. Não é desmerecimento, é reconhecer que há potencialidades a serem desenvolvidas. Ao mesmo tempo é reconhecer a fragilidade humana.
Ao contrário do que mostra no desenho do homem vitruviano de Leonardo da Vinci (imagem do homem com proporções perfeitas, ideal clássico de beleza),  o ser humano mostra-se imperfeito, raro como qualquer vida no universo, sem formas sublimes, mas ao mesmo tempo complexo, como qualquer ser vivo e com uma racionalidade compartilhando espaço com os sentimentos e emoções. É um misto de um pouco de tudo da natureza, mesmo com uma civilidade, que as vezes volta ao primitivo, empolga no sentido de reconhecer que menos é mais.
A (des)lógica de toda uma tese construída pode mudar de rumo se um acontecimento natural tornar a Terra inviável a adaptação de animais e seres humanos. Neste momento a  configuração muda. O mais evoluído vira extinto e menos evoluído se adapta e domina a Terra. Questões como racionalidade, irracionalidade e teses ligados ao comportamento humano viram fósseis invisíveis na História Natural do nosso Planeta. No final das contas, Bactérias, que não tem nada haver com racionalidade e irracionalidade podem aparecer no topo da cadeia evolutiva. É um debate em aberto, mas uma coisa é certa: rever verdades absolutas, como a ideia de racionalidade e irracionalidade,   precisam ser dissecados e contextualizados para desmistificar alguns modelos nas ciências.
Sei que em muitos livros a terminologia classificatória de racionais e irracionais não aparecem mais, mesmo assim, é bom ficar de olho, pois o modismo não tem compromisso de tentar questionar a realidade, pois no fim, vai que cola (veja o exemplo no youtube de pessoas tentando provar que a Terra é plana). Observar, questionar, levantar hipóteses e experimentar são os principais instrumentos das ciências para evitar a contaminação dos fatos com modismos. Caso a construção do texto não venha viabilizar os fatos, que haja aplicação das etapas do método científico para a construção de um modelo melhor do que o exposto. O circuito continua em aberto. A margem da ilha do conhecimento cresce com convergências e divergências pautadas em argumentações.


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