Complexidade do mundo interno

Byung-Chul Han cita, em seu livro intitulado Sociedade do descanso, dois pensamentos de Nietzsche. Um deles proclama: "Por falta de repouso nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto. Assim, pertence às correções necessárias a serem tomadas quanto ao caráter da humanidade fortalecer em grande medida o elemento contemplativo." (NIETZSCHE, F. Humano, demasiado humano). O outro pensamento encontra-se no início do capítulo 5 do livro de Byung-Chul Han: "A vita contemplativa pressupõe uma pedagogia específica do ver. No Crepúsculo dos ídolos, Nietzsche formula três tarefas, em vista das quais a gente precisa de educadores. Devemos aprender a ler, devemos aprender a pensar, devemos aprender a falar e a escrever. A meta desse aprendizado seria, segundo Nietzsche, a "cultura distinta". Aprender a ver significa "habituar o olho ao descanso, à paciência, ao deixar-aproximar-se-de-si", isto é, capacitar o olho a uma atenção profunda e contemplativa, a um olhar demorado e lento. Esse aprender-a-ver seria a "primeira pré-escolarização para o caráter do espírito" (Geistigkeit)." 
Observando os escritos de Byung sobre Nietzsche, verifica-se um pensamento "profético" do filósofo alemão sobre a sociedade atual. Uma visão de um mundo acelerado ofuscando o valor da contemplação, tornando o indivíduo pobre em "cultura distinta", pois transpor a superficialidade da realidade percebida necessita de uma formação lenta e demorada de aprofundamento do aproximar-se de si. Em resumo, o ser humano não é um fim, mas é um caminho para algo maior. Para que isso se torne possível, é importante sair da superficialidade das inquietações voltadas apenas ao atendimento da sociedade de mercado para uma contemplação, uma espécie de mundo interno, de metamorfose, indo além de si. Neste contexto, fechar os olhos e vencer os pensamentos acelerativos para observar o mundo interno, tornou-se uma das tarefas mais difíceis na vida cotidiana. 
Existem várias causas que quebram a nossa formação para algo maior, dentre as quais, o consumismo, onde o ter tem mais valor que o ser, proporcionando a desconstrução de pontes para novos horizontes existenciais. Na mesma cortina de fumaça encontramos discursos de valores, uma doutrina ideológica de marketing simbólico de status para quem tem carros importados, dinheiro, fama, glamour, mansões, enfim, o objeto é mais valioso que a mente que o projetou. Se isso fosse verdade, o que seria da obra de arte de Michelangelo no teto da Capela Sistina? Quem criou quem? Pode a obra de arte existir sem a mente que a projetou? A consequência tem mais valor que a causa? 
Indo no fluxo das paixões platônicas pelos materiais, usamos meios para acumular bens. Chegamos até mesmo idolatrar a "perfeição corporal" com cirurgias plásticas, cosméticos, salões de beleza e academia, tudo isso para ficar de bem com a ditadura da beleza. Como dizia Salomão: "Vaidade de vaidades! Tudo é vaidade" (Eclesiastes 1:2).
Além disso, o tempo é escasso para tantas atividades diárias, e quando temos um momento de descanso, a tecnologia toma conta desse intervalo precioso.
Com o passar dos anos nós perdemos muito de nossa identidade e filosofia de vida, isso é muito ruim, pois viver por viver não é o destino existencial dos seres que pensam.
Diante de tanta superficialidade de um cotidiano ligado no piloto automático, muitos tentam mudar a situação com revoluções e manifestações espalhados pela Terra com clamores de transformações sociais. Mas o que adianta lutar para mudar o mundo externo se o revolucionário ainda não conhece o seu mundo interno? Fica a dica: "Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o Universo." (frase estampada no Templo de Apolo em Delfos).
O mundo interno representa a consciência, o inconsciente, os conflitos de pensamentos, a gestão emocional, entre outros aspectos do ser. Uma formação que requer bastante tempo e concentração (totalmente oposto ao mundo pós-moderno acelerado). Neste processo, a indagação é uma ação de busca contínua de formação e contemplação: qual o motivo de minha existência? Qual a minha filosofia de vida? Será que tenho domínio sobre os impulsos da minha vontade? Qual o caráter que pretendo formar em meu ser?
Sem o brilho de formação continuada ao longo da odisseia existencial , ficamos a mercê de qualquer guia, levando o ser ao caminho de desventuras sem propósito.
A sociedade paga caro devido a busca incessante de preencher o vazio existencial com objetos e paranoias que geram alívio na alma, mas como tudo é passageiro, o prazer de minutos transformam-se, em muitos casos, em horas de angústias destrutivas.
Devemos parar, esquecer o mundo externo de vaidades sem fundamentos existenciais, observando melhor o mundo interno de pensamentos, com projetos de vida e produtividade intelectual para que sempre haja metamorfoses em nosso ser, saboreando, vivenciando e usando os invernos existenciais como forma de aprendizagem e amadurecimento.
Pede-se paz no mundo, mas muitos não são fiéis a sua consciência.
Pede-se amor, mas muitos não sabem renunciar em favor do outro.
Pede-se justiça, mas muitos não sabem perdoar.
O verdadeiro vencedor não é aquele que conquista impérios, cidades ou fama, mas é aquele que vence (compreende, entende, transforma) a si mesmo.
Boa jornada!




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